ESTUDO INÉDITO PERDAS DE ÁGUA É APRESENTADO NA FIESP
No Brasil, saneamento básico merece apenas 0,2% do PIB,
muito aquém do necessário para coleta e tratamento
O estudo inédito Perdas de água: desafios ao avanço do saneamento básico e à escassez hídrica foi apresentado na Semana de Meio Ambiente da Fiesp. O levantamento foi feito com base no SNIS (Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento) 2016 para as 100 maiores cidades do Brasil, pelo Instituto Trata Brasil (ITB), sob a coordenação do Pacto Global e da Fiesp.
De acordo com Edison Carlos (presidente do Instituto Trata Brasil – ITB), no Brasil há 34 milhões de pessoas sem acesso à água tratada, o que corresponde a um Canadá inteiro ou metade da França. No país, apenas metade do território conta com coleta de esgoto.
Obviamente que esses números têm reflexo direto na qualidade da água ofertada para a população, indústria, comércio e setor agrícola. Os problemas de saúde pública envolvem hepatite A, Aedes aegypti, diarreia e leptospirose. “O esgoto de uma cidade passa a ser a água de outro, ou seja, um reúso não-programado, mas sempre poluindo”, criticou. Criam-se vetores para a transmissão e para os mosquitos se adaptaram ao Brasil. Hoje, em uma tampa de pet, no esgoto, há foco de dengue; antes, era preciso uma caixa d’água, segundo exemplificou o palestrante.
Ainda de acordo com o expositor, nem 45% do total coletado é tratado no Brasil, e Guarulhos é um exemplo, com alta taxa de coleta, mas com menos de 5% tratados. Já o Estado de Santa Catarina conta com menos de 20% de coleta. Portanto, o problema ambiental é gravíssimo e não se resume às áreas periféricas.
“As escolas já têm mais internet do que coleta de esgoto, pois não estão ligadas à rede”, afirmou Carlos, que frisou que os ícones do turismo acabam poluídos, como a Baía da Guanabara. Os turistas poderiam ficar mais 3 ou 4 dias no local, se as praias fossem limpas.
O Brasil não melhorou seus indicadores principais, na avaliação dele. O saneamento básico recebe como investimento apenas 0,2% do PIB (2007-2014), um valor que não evolui, quando há “tudo a se fazer ainda”, segundo Carlos, enquanto um país desenvolvido investe 0,3% de seu PIB quando já conta com 100% de água e esgoto. “É preciso uma mudança radical de visão”, sentenciou, a fim de lidar com esse cenário.
A companhia de saneamento não consegue faturar toda a água produzida. Pedro Scazufca (Sócio Executivo da GO Associados) explicou essa afirmação: as perdas podem se dar por vazamentos, ou seja, de forma estrutural, ou uma perda comercial pela leitura infiel em um hidrômetro antigo, além de possíveis erros de medição, somados às ligações clandestinas, o chamado “gato hidráulico”.
Em termos comerciais, a água chega ao seu destino, mas parte do volume deixa de ser faturado, vai se perdendo pelo caminho, e acaba sendo preciso produzir mais do que o necessário, o que envolve custo de energia e de produtos químicos, além de se utilizar cada vez mais recursos naturais – a fim de captar mais água – para abastecer a mesma quantidade de pessoas. São 60% de perdas físicas e 40% de perdas aparentes. Em 2016, as perdas alcançaram 6,4 bilhões de m3, equivalentes a seis vezes a capacidade do Cantareira ou 7 mil piscinas olímpicas desperdiçadas diariamente. “Em nenhum lugar do mundo essa perda é igual a zero, mas países avançados possuem níveis inferiores a 20%”, afirmou, enquanto as porcentagens brasileiras são expressivas. O Brasil desperdiçou 38% da água produzida.
Para Pedro Scazufca, as opções são ampliação do financiamento, melhor gerenciamento e controle das perdas com hidrômetros, contratos com incentivos e foco de redução de perdas. Além de melhorar a macromedição, devem ser replicadas as experiências exitosas, no sentido de difusão de cultura e eficiência.
Gesner Oliveira (Sócio Executivo da GO Associados) tem opinião coincidente: o planejamento, a gestão e a regulação adequadas podem propiciar salto no saneamento, mas o “mais obsceno são as perdas”. Ele questionou qual a moral de pedir esforço de conservação ao consumidor se não se consegue arrumar a casa com o mínimo de eficiência.
Entre as opções, gestão e tecnologias adequadas para contenção das perdas e adoção de metas mais ambiciosas no âmbito do plano nacional, que está sendo revisto, além das metodologias utilizadas, e a possibilidade de contratos de performance.
Case da área química
Todos precisam dar atenção à questão da água, que entra em pauta em momentos de crise, como a recente crise hídrica, ou em função da realização do 8º Fórum Mundial da Água, pela primeira vez no Brasil (Brasília), mas, após vir à tona, o tema submerge e é rapidamente esquecido.
Nessa avaliação de André Ramalho, especialista de sustentabilidade da Braskem (setor químico), é preciso realizar esforço coletivo, pois a água será cada vez mais demandada, enquanto inversamente diminuiu sua disponibilidade. Ele citou a crise hídrica nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, em 2014-2015, que envolveu o conflito sobre o uso de aquíferos, inclusive.
“Haverá aumento de 50% no uso da água para 2050, com oferta cada vez mais menor, e esse stress hídrico poderá afetar 45% do PIB global (US$ 63 trilhões)”, disse, citando dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Ele tratou do nexo água, energia e alimentação e sua vulnerabilidade. Com perdas crescentes, haverá menos água para a irrigação e energia. Outro problema apontado diz respeito às outorgas de água à indústria, como ocorreu no Polo de Camaçari, em 2009, quando se reduziu em 50% a oferta. Há reflexos coletivos, pois envolve a produção e a oferta de produtos, muitas vezes essenciais, além de empregos.
Para Ramalho, é necessário dar ênfase às políticas públicas e ao engajamento dos setores civil e privado a fim de discutir práticas e leis, maior conscientização, disseminação de boas práticas e gestão, além da replicação de informações. Em sua conclusão, criticou o fato de a água, apesar de ser o tema mais transversal de todos presentes nos 17 ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), em sua opinião, estar em 11º lugar entre os tópicos. “A água tem impacto nas mudanças climáticas, na [manutenção] da paz, evitando-se conflitos”, concluiu.
Além de comunicações do Movimento Menos Perda, Mais Água e apresentação das cidades destaques na gestão das perdas no período de 2013-2016, ocorreu mesa redonda sobre perdas na distribuição e cenários de escassez hídrica que reduzem a segurança hídrica para o setor industrial, além das boas práticas e tecnologias. Debateu-se como unir esforços, para o aumento da segurança hídrica; e quais as principais barreiras e alavancas para a implementação das ações propostas. Na segunda mesa redonda, as boas práticas e tecnologias a serviço da redução das perdas de água na distribuição de Centros urbanos.
Fonte: Fiesp
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